quarta-feira, 20 de outubro de 2010

VAMPIROS

 Oi amigos. Enquanto não produzo outra matéria, estou postando um conto de minha autoria. Espero que gostem.
             VAMPIROS                        

         Eugênio e Madruga haviam pedido a quarta garrafa de cerveja. Apesar do número de “cevas” que ingeriram eles se alternavam, segurando a garrafa bem acima do copo para produzir o “colarinho” ao derramar o líquido dourado, procurando provar um ao outro sua habilidade e resistência ao álcool.
-Conde Drácula. Este era seu nome, falou Eugênio. Marcava suas vítimas com mordeduras, convertendo-as em vampiros como ele.
         -Você acredita nisso? Perguntou Madruga. Parece tema para filmes de terror.
         -Acredito, Madruga. Conheci uma mulher que me impressionou profundamente. Suas mãos  eram frias, tinha um rosto pálido e sedutor e seus olhos provocavam uma sensação de algo que me atemorizava. Havia um misto de atração e de medo.
         -Foi algum de seus “casos”?
         -Não chegou a ser. Estive perto de transar com ela mas recuei. Chamaram-me de “panaca”. Soube  que ela tinha sido noiva de um amigo meu. Ele morreu, vitimado por picada de uma aranha venenosa. Isso foi o que disseram. A causa da morte não foi confirmada. Em seu pescoço, junto à veia carótida, havia dois sinais em simetria que me fizeram lembrar os dentes de Morgana.
         -Morgana era a moça de quem você falou?
         -Sim. Era uma criatura de extrema beleza. Tinha uma cabeleira abundante e de um negro lustroso. Quando ela me fitava eu notava a mudança em seus olhos. Ficavam sombrios e amarelados. Ela respirava com dificuldade. Parecia que ia entrar em convulsão.
         -Ei, Braguinha! Põe mais uma “loira” aqui na mesa.A história que o Eugênio está contando ficou interessante. E daí, parceiro? Essa mulher existiu mesmo ou foi um sonho etílico?
         -Não brinque, Madruga. Até hoje ela não me sai da cabeça. Em noites de lua cheia, tenho visões que me tiram o sono. Sinto o odor sulfuroso do Diabo em meu quarto.
         -Cruz, Credo! Se você quiser, Eugênio, eu peço para a Nanda  benzer tua casa.
         -Essa Nanda não é aquela que trabalha com a linha negra de Umbanda?
         -É.
         -Pois me disseram que tua mulher pagou um trabalho que a Nanda fez para que você parasse de beber. Pelo jeito, não adiantou.
         -Braguinha! Mais uma cerveja!
         -Não disse? Não há despacho de encruzilhada que termine com teu vício.
         -Nosso vício! Parece que você esqueceu que também está “nessa”. Continua a história.
         -Na verdade o homem é um ser passivo, vivendo à sombra de uma consciência racional, voltado para as triviais preocupações do quotidiano. Muitas vezes não se apercebe do instinto animal de algumas pessoas como Morgana, bem como seus poderes sobrenaturais.  Um dia em que circulávamos por um shopping, olhando vitrines, em dado momento, ao passar junto a um grande espelho, olhei de relance e vi minha imagem refletida. Morgana estava junto a mim e não apareceu no espelho.
-E isto quer dizer o quê?
-Madruga, os vampiros não têm sombra, nem reflexo no espelho.
-          Pelo jeito você sabe muito a respeito...
-          Tenho lido alguns livros específicos sobre vampiros e, verdade ou não, aquela mulher parece rondar minha existência. Lembro de uma frase que ela me falou, : “Eu quero interferir nas coisas. Fazer as coisas acontecerem”. Sabe quem é o autor dessa frase?
-          Diga!
-          O conde Drácula. Era seu lema.
-          A esta altura do diálogo, os dois amigos pediram a sétima garrafa de cerveja mas  surpreendentemente, mantinham aparente sobriedade. Braguinha não estava nem um pouco interessado no assunto, pois seu objetivo era vender bebidas. Colocou mais uma garrafa sobre a mesa e afastou-se.
-          Alguns escritores têm explorado o tema, apresentando uma variedade de vampiros, segundo suas origens, seguiu Eugênio. Nosferatu, Conde Drácula e outros.
-          E sua amiga Morgana, onde se enquadrava?
-          Segundo pesquisa que fiz, ela fazia parte de uma classe de vampiros chamada Gangrel. Eram vampiros calmos, amantes da natureza e não possuíam refúgio próprio. Eram nômades. Alguns possuíam a capacidade de transmutação, podendo adquirir a forma de morcegos ou lobos.
-          Bem como nos filmes, falou Madruga.
-          Bem como nos filmes. Nas festas em que participavam, recusavam comidas, preferindo sempre líquidos quentes.
-          Daí alimentarem-se de sangue? E que fim levou essa estranha criatura?
-          Morreu há mais de dois anos. Falam que sua sepultura foi encontrada aberta, apesar de cimentada por diversas vezes. -Ela deve sair à noite para sugar o sangue dos vivos, falou Eugênio.
-          É a lenda que o cinema explora, na qual o vampiro se transforma em morcego para atacar suas vítimas.
-          Isso é que me apavora, Madruga. De um tempo para cá, tenho visto um morcego rondando minha casa, à noite. Mantenho as janelas fechadas, mas com o calor que tem feito, nem sempre é possível. Fico pensando se ele, em alguma dessas ocasiões, não entrou em meu quarto.
-          Aproximava-se o momento em que Braguinha costumava fechar o bar. Restavam apenas Eugênio e Madruga no local. No instante em que desocupavam a mesa, Eugênio abriu  camisa no peito para aliviar-se do calor intenso. Madruga, observando a brancura da pele do amigo, indagou:- Que marcas são essas em seu pescoço ?
-          Devem ser picadas de mosquito, respondeu Eugênio.
-          Estranho. Estão bem próximas  uma da outra, guardando uma simetria..
Eugênio sorriu  exibindo seus dentes brancos como pérolas, realçando os caninos pontiagudos. Seus olhos lacrimosos pareciam quase da mesma cor das órbitas brancas e sombrias e suas unhas, longas e curvas, aparentavam rápido crescimento.
Madruga despediu-se do amigo e apressou o passo em direção a sua casa. Caminhava perturbado. Soprava um vento que fazia as árvores dobrarem. Ao virar, na esquina próxima de onde morava, um mendigo esbarrou em Madruga, jogando-o contra o muro. Logo após, deparou com Hipólita, a prostituta do bairro. Com o efeito de uma lufada de vento, o vôo de seu vestido deixou à vista suas partes íntimas. O penteado solto, os cabelos fugindo das têmporas, o nariz fino, o delgado arco das sobrancelhas, os olhos oblíquos fizeram-no lembrar a descrição da mulher que impressionara Eugênio. Ao aproximar-se do portão de sua casa, um morcego desceu em vôo rasante, fazendo revolver o  estômago de Madruga. Sentiu a língua seca, respirando com fadiga. Tentou inutilmente umedecer os lábios apergaminhados e as faces ardentes. Ao entrar em casa, fechou todas as aberturas e tentou dormir.Sonhou com lobos , morcegos e serpentes. Ao acordar, tomou uma decisão. Pediria a Nanda que viesse benzer sua casa e  mandaria colocar telas metálicas nas janelas.
     Enquanto curava sua ressaca, com uma bolsa de gelo sobre a cabeça, recebeu um telefonema de Eugênio, convidando-o para tomarem uma cerveja no bar do Braguinha.
     Madruga respirou fundo antes de responder:- Agradeço o convite, amigo, mas definitivamente, parei de beber.  


          

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