quarta-feira, 29 de maio de 2013

MÚSICOS NA RUA DA PRAIA-PORTO ALEGRE

Ao circular pelo centro de Porto Alegre, tive despertada a curiosidade sobre alguns músicos que cantam e executam seus instrumentos em nossa Rua da Praia. Decidi, então, fazer uma matéria, que repasso aos amigos.

CHARLES BUSKER: Encontrei-o junto à Praça da Alfândega, onde encanta os apreciadores das composições de Bob Dylan, Pink Floyd, Paul Simon e outros. Com sua voz, violão e harmônica, o gaúcho natural de Canguçu, é um atrativo musical que enriquece com sua arte, a rua "que não tem praia e não tem rio", mas tem música para todos os gostos. Contou-me que sua permanência ali, por várias horas, oportuniza alguns contratos para eventos, sem a intermediação de "atravessadores". 
                                                   

ANTONIO SANGUINETTI: Violonista uruguaio, com formação no Conservatório de Música Falleri Balzo, de Montevidéu é outro instrumentista e compositor que nossa Rua da Praia oferece aos passantes. Lecionou música em escolas uruguaias, editou alguns CDs com tangos, milongas e obras de Bach, Schubert e Gardel. Aprecio muito quando ele, sisudo mas compenetrado em extrair musicalidade latina das cordas de sua guitarra, interpreta trechos da obra de Joaquin Rodrigo, em especial, Romanza. Eventualmente, pode ser visto no Brique da Redenção.

LUAN RICHARD: Sempre bem humorado, Luan é um violonista e cantor que nos transmite os maiores clássicos da MPB, somados ao ecletismo de seu repertório, bem variado. É deficiente visual. Segundo eu soube, enxerga apenas vultos, mas nem todos notam, pois sua música transpõe as barreiras de sua deficiência.
                                                 


ZÉ DA FOLHA: Segundo ele me contou, veio de João Pessoa, na Paraíba, onde nasceu.Peregrina há mais de sessenta anos por nosso país, principalmente em Curitiba, Bento Gonçalves e Porto Alegre, onde tem permanecido.Além do violão, o toque diferente de sua interpretação é o uso da folha de Jambolão que ele colhe no Parque da Redenção, em nossa cidade. Afinado, além das músicas executadas com seu violão e folha, ele imita sons de animais, com precisão. Por certo não faltarão folhas de Jambolão para o Zé, pois o Parque Marinha do Brasil contempla várias espécies daquela planta.
                                                 


GRUPO "APURO": O trio argentino com quem conversei, executa tangos, milongas e várias composições de autores portenhos. Em sua simplicidade e alguma timidez, conseguem, através da música latina nos transportar para a nostálgica Buenos Aires. Vale a pena destinar alguns minutos de sua passagem pela Rua da Praia, para conferir.
                                                  

domingo, 12 de maio de 2013

GIBA GIBA- Viva a Negritude

Neste dia 13 de Maio, gostaria de prestar minha homenagem a todos os negros do Brasil, em especial do Rio Grande do Sul, representados na pessoa de Giba Giba.
Talvez muitos não saibam a quem me refiro. Cantor, compositor, percussionista e também ativista cultural, ligado a movimentos negros, foi um dos fundadores e primeiro presidente da escola de samba Praiana.
Giba Giba foi meu colega no Ensino Médio e sempre que nos encontramos, lembro nossa curta mas amistosa convivência. Seu nome está intimamente ligado ao tambor erigido na praça existente em nossa Rua da Praia, bem no seu começo, junto ao Museu do Trabalho. Giba Giba é um dos maiores expoentes na utilização do tambor sopapo, instrumento que muito tem a ver com a autêntica música de nosso Estado. Parabéns, Giba Giba.
                                                         


sábado, 11 de maio de 2013

NÃO QUERO MAIS SER JACK SPARROW

NÃO QUERO MAIS SER JACK SPARROW
                                                                                                  Conto
                                                                       Para Gustavo, meu neto.
                                                                            


            A figura do ídolo, do herói, sempre fez parte da história do homem desde a mitologia grega. Dizem alguns Psicólogos que tanto as crianças, como nós, adultos, precisamos de heróis em nossas vidas, pois eles representam as figuras do Bem e do Mal.
            Felipe, com seus três anos de idade, carinhosamente apelidado de “Pipo”, por seus pais, convivia com alguns ídolos que as histórias em quadrinhos e depois a televisão, difundiam em sua programação infantil.  Batman, Homem Aranha,  e outros, faziam parte do elenco. Quando Pipo se identificava com um deles, por algum tempo o personagem marcava a vida do menino de tal maneira, que ele só atendia o chamado dos pais se eles referissem o nome do ídolo por ele escolhido, naquela fase de sua infância.
            A fuga da realidade para a fantasia era inevitável. Pipo sentia como que uma necessidade de aproximação com seu herói temporário. Havia uma identificação com a criação literária e depois com a imagem transmitida pela televisão.
            Mesmo admirando um personagem fictício, o garoto, em sua cabeça infantil, desejava se tornar aquele que mais próximo conseguia imaginar como seu ídolo. O escolhido tinha muitos defeitos, mas tinha valores e o menino, consciente ou inconscientemente desejava plantar aqueles valores em si. O jogo de faz-de-conta aguçava sua imaginação. Era uma forma de expressar sua liberdade, até porque, no mundo da imaginação, somos absolutamente livres.
            O mais recente personagem escolhido por Pipo e com o qual sua identificação revelou-se bem mais forte do que os que o antecederam, foi Jack Sparrow, o Pirata do Caribe, interpretado, em alguns filmes,  por Johnny Depp, um dos atores mais versáteis do cinema.
            Pipo encarnou com grande emoção a figura do pirata e, mesmo em sua tenra infância, expressava a intensidade com que  Jack Sparrow  conseguira influenciar sua vida e ela tinha que ser vivida como uma aventura.
                                                                           

            Num domingo à tarde, passeando com seus pais junto à Usina do Gasômetro, em Porto Alegre,imprudente como muitas crianças,  ele aproveitou um momento de distração dos progenitores e ingressou num barco de passeio ali atracado, sem que eles notassem. Estava vestido como o pirata, personagem com quem se identificara, na ocasião. Brandindo sua espada de plástico, infiltrou-se entre os turistas que entravam na embarcação, misturando-se com os mesmos, no exato momento em que o comandante deu partida à viagem, pelo lago Guaiba. Era um final de tarde e muitos passageiros tinham como objetivo, além de admirar a natureza, fotografar o pôr-do-sol, um dos atrativos da cidade.
            Naquele momento, para o menino, os integrantes do passeio se confundiram com os protagonistas do filme que ele assistira na TV e  sentia-se o próprio Jack Sparrow, em luta com seus adversários.
            Equanto isso, seus pais, junto ao local de embarque, estampavam em sua face, o desespero, pelo desaparecimento do filho.  Eles deixaram de ser coadjuvantes na aventura de Pipo para se tornarem vítimas de um trauma que jamais imaginaram enfrentar.
            No barco, o menino continuava vivenciando a figura do pirata, abrindo caminho entre seus “inimigos”, tentando mostrar todo o seu poder, até pela forte razão de que ele estava convencido que, naquele momento, não era o  filho mimado pelos pais, mas sim o destemido Jack. Mesmo criança ele era fruto de uma sociedade que tinha necessidade de criar ídolos. Para o público ali presente, que em certas ocasiões alimenta um mito, tudo aquilo era um jogo de cena. Espectadores, eles viam, na representação, um espetáculo para se divertirem.
            Na verdade, temos uma tendência para idolatrar o que desejamos e rejeitar o que não nos interessa. Jack Sparrow, para Pipo, era um fascínio.  Viver aquela fantasia, principalmente num barco de passeio, era o máximo da glória. Em sua cabecinha infantil, não havia diferença entre um barco de turismo, uma escuna ou um navio pirata. Ele já estava formatado a partir de um estereótipo. Mas, chegou um momento em que sua espada já não brandia com tanta energia e seu entusiasmo não despertava mais a atenção dos passageiros. Eles desviaram sua atenção para o belo pôr-do-sol que se descortinava por entre as ilhas do lago, compondo um cenário nostálgico para os amantes da natureza.
                                                                            

 Eu era um dos turistas que assistia as evoluções de Pipo desde sua entrada no barco até me dar conta de que ele estava desacompanhado dos pais. Indaguei a algumas pessoas, ao imediato da embarcação, confirmando o que eu imaginara. Como aquele menino havia subido no barco e o que realmente acontecera, fugia ao meu raciocínio, mas passei a me preocupar com o fato. Conversei com o comandante da embarcação e ele, atento ao problema, comunicou-se através de rádio, com o funcionário que se encontrava junto à guarita do cais. Os pais do menino foram informados da situação e, ansiosos, ficaram no aguardo do retorno de Pipo. Não falei ao menino, para não gerar pânico.
            Depois de meia hora de viagem, observei que o verniz de credibilidade de Pipo como personagem, se esgotara. Gradualmente, ele deixava de ser Jack Sparrow e voltava a ser um menino, constatando a falta da companhia de seus pais, e sendo contaminado pelo medo. Ele estava voltando ao mundo real. Freud dizia que “A criança, em seu brincar, se comporta como um escritor criativo, pois cria um mundo de fantasia que é levado a sério. Seria errado supor que a criança não leva a sério esse mundo; ao contrário, leva muito a sério a sua brincadeira e dispende na mesma muita emoção. A antítese de brincar não é o que é sério, mas o que é real.”
 O pequeno aventureiro foi se encolhendo em sua pequenez, tomando consciência de que perdera sua condição de herói. O brilho em seu olhar, tão semelhante ao de Johnny Depp em seus filmes, agora revelava uma opacidade.
            Então, Pipo chorou. Não um choro fingido, argumento muitas vezes usado pelas crianças da sua idade, para conquistar atenção dos pais e obter a satisfação de algum desejo imediato. Era um choro sentido. Havia, em suas lágrimas, o impacto da solidão, do desamparo, mesmo entre tantos seres humanos que o cercavam, pois seus verdadeiros protetores não estavam ali.
            Chamei-o para junto de mim, procurando acalmá-lo. Disse-lhe que seus pais o esperavam no píer. Ele reagiu como se não acreditasse no que eu afirmara, olhando para todos os lados, à procura daqueles que representavam a segurança em todos os momentos de sua vida. Antes que ele entrasse em desespero, tentei convencê-lo de que estávamos indo de encontro aos seus pais.
            Finalmente retornamos ao local do desembarque. Ali estava o casal com os olhos inchados de tantas lágrimas. Abraçaram o filho, traduzindo naquele amplexo todo o afeto que substituira o desespero representado pela sensação de perda. Foi quando Pipo exclamou: - Não quero mais ser Jack Sparrow!
 No momento em que se afastaram, indo em direção ao carro ali estacionado, o menino, agarrado ao pescoço do pai, olhou para trás, localizando-me entre os passageiros que desembarcavam. Com sua pequena mãozinha, acenou para mim. Naquele aceno eu senti a emoção que aflora e toma conta da gente em situações como a que eu fora protagonista. Lembrei então, de minha infância e das tantas aventuras que eu vivera, viajando pelo meu imaginário. Não existiam, na época, os personagens como os representados por Pipo, mas, muitas vezes eu sonhara que era  o Zorro, com sua máscara negra e seu vigoroso cavalo a combater os inimigos do Bem ou o Super-Homem, capaz de salvar o mundo, com seus  poderes.
            Por um acaso, reencontrei o menino, num dos shoppings da cidade. Atento, ele olhava para uma das vitrines das lojas, onde estava exposto um novo personagem das histórias que faziam a cabeça das crianças. Vi quando ele se voltou para os pais e afirmou, de forma enfática: - Eu quero ser o Homem de Ferro!!   
                                                                                
  

                                                         P.A., Maio de 2013

domingo, 5 de maio de 2013

MAR INTERIOR -Crônica

Caros Amigos.
Estou postando um de meus textos, escrito durante uma semana em que tive o prazer de curtir uma das praias de Santa Catarina. A inspiração, como não poderia deixar de ser, foi a visão do mar, que motiva tantos escritores e poetas a ritualizá-lo em suas construções literárias.A foto que anexo, registrei numa madrugada, em uma das praias daquele litoral.

                                                                           

                                                                  MAR INTERIOR
O sol se despedia no horizonte, refletindo no mar uma exuberância de matizes nunca iguais aos dias que antecediam aquele em que Felício, sentado em seu tosco banquinho, no pequeno alpendre de sua meia-água, cumpria um ritual que se repetia diariamente. Ele permanecia por tempo indefinido com os olhos fixos na imensidão do oceano que banhava a areia da praia, marulhando as proximidades de sua casa com o som intermitente que lhe era familiar.

Com a velhice estampada na face, a pele e as rugas espelhando sua trajetória de vida rude e sofrida, dedicada à pesca há mais de cinqüenta anos, Felício fitava o mar, expressando apatia pelos demais elementos que o circundavam.

Os turistas que transitavam pela praia com seus trajes coloridos, predadores da natureza que o pescador tanto amava, a cor esmaecida de sua casinha, tantas vezes repintada, o vento nordeste, executando uma sinfonia em seus ouvidos, nada conseguia desviar sua atenção para o mar.

Absorto em sua postura meditativa, o velho pescador permanecia como que magnetizado pelas águas, até o azul infinito do céu, no seu encontro com o oceano. Sua mulher, Marina, respeitava aqueles momentos em que Felício se mantinha silente, como se uma catarse o envolvesse. Eram minutos que, por vezes se prolongavam por mais de hora. Mesmo não tendo noção precisa das razões que levavam o marido àquele estado de espírito, ela não se atrevia a interrompê-lo.

Para Felício, naqueles momentos aconteciam milagres voluntários que infestam a vida em sua pequenez, nos quais a imaginação projeta, antes do mergulho no sono, a mente desencarnada, para o mistério que cada indivíduo guarda em seu arquivo mental.

São vislumbres secretos da vida, inócuos para muitos que, alheios à percepção da essência contida nas pequenas coisas, permanecem presos à rotina estéril do cotidiano. Interromper Felício em sua visão silenciosa do oceano seria profanar um templo que ele construíra através de uma sucessão de anos e cujos ícones jamais seriam conhecidos ou tocados por estranhos ou invasores daquele espaço sagrado.

Marina preparava a moqueca com o zelo habitual, dirigindo seus pensamentos ora ao passado, ora ao presente, jamais ao futuro. Seus dois filhos, Manoel e Cirino, já há vinte anos haviam rumado para a “cidade grande” em busca da sobrevivência, pois naquela pequena vila de pescadores tornara-se difícil tocarem suas vidas. De quando em quando visitavam os pais. No pouco tempo de permanência , contavam sobre a complexidade da vida urbana. Não fora possível continuar vivendo naquele recanto que se mantivera por tantos anos impregnado pela poesia rimada pelo canto dos pássaros ao amanhecer, pelo verde dos morros que cercavam o local, pelas flores silvestres exalando olores e colorindo os jardins com suas tonalidades variadas.

A besta, representada pela especulação imobiliária desenfreada e o turismo predatório estavam prestes a destruir o que restara daquele paraíso esquecido por Deus.

Os filhos indagavam a Marina quando observavam o pai em sua postura contemplativa. Ela respondia que Felício talvez vivesse suas lembranças, suas viagens em águas profundas na busca do peixe, as tempestades que enfrentara no mar que ele amava, a incerteza do retorno...

O jantar estava pronto e a velha senhora olhou, de relance, pela janela entreaberta, divisando a silhueta de Felício, compondo um quadro com o mar e as nuvens. Ele continuava preso ao encantamento e à magia que o mar lhe trazia. Se existira algum conflito entre Felício e os seus, ou consigo mesmo, dissipava-se nas ondas do mar que ele contemplava. Elas alimentavam seus devaneios e sua alma jamais seria amputada enquanto lhe fossem permitidos aqueles encontros com a natureza.

O mar o convertia em um fiel para o qual todos os demais fascínios eram irrelevantes.

Felício é Poesia!

Quantas vezes lemos pequenas histórias do cotidiano, às quais não damos importância, apesar de poderem modificar nossas vidas.

Felício conseguiu preservar sua identidade em um mundo no qual ela é anulada, dia-a-dia. Não pode haver um mundo diferente se ninguém pensa ou sonha um mundo diferente. O homem, frente ao Novo, volta a ser uma criança, enfrentando uma nova realidade que pode modificar sua vida.

Felício, em sua velhice, conseguiu manter intacto seu mar interior. Sei que jamais poderemos penetrar nesse mar, mas deveríamos nos sentir felizes em saber que ele existe.