segunda-feira, 19 de julho de 2010

Assembléia em Garopaba




Caros seguidores: Enquanto programo outra matéria para inserir no meu blog, optei por postar um conto ficcional, escrito durante minha estada em Garopaba/SC. Estou aberto a comentários e críticas.

Assembléia em Garopaba

Amanhecia em Garopaba. Raios de sol banhavam amendoeiras e casuarinas, bem como as torres das igrejas que ornamentam aquela cidade catarinense, rica em belezas naturais.
Era o mês de março, em seus idos próximos do outono, anunciado pelos pés de jambolões que tingiam o solo com seus frutos violáceos, emanando um aroma agridoce, transportado através do vento nordeste, constante na ocasião. As alamandas brotavam em seus tons róseos e amarelos, formando um contraste com o verde vivo de suas folhas.
O “nordestão”, como é conhecido, não se caracterizava apenas por espargir olores. Sua intensidade fazia com que guarda-sóis voassem na beira da praia e o mar ficasse agitado em suas ondulações, mas não apenas isso. Associado a outros fatores climáticos, gerava um problema que afligia os pescadores locais: a falta de peixes;
Eram frequentes as manhãs em que grupos de pescadores exauriam suas forças retirando redes que traziam apenas pequenos paratis ou espadins, frustrando a expectativa do árduo trabalho executado por aqueles trabalhadores litorâneos. A colônia de profissionais do mar, outrora tão ativa, integrava a própria história da cidade. Naquele período, porém, tornaram-se sobreviventes, face ao incremento do turismo e da especulação imobiliária. Não eram os únicos a enfrentar as dificuldades em obter o alimento básico de seu dia-a-dia. Gaivotas e urubus reuniam-se junto aos galpões que restaram da colônia de pescadores para alimentarem-se com o resíduo da pesca diária, vendo diminuir a porção que recebiam.
A tarde caía e o sol recolhia-se por detrás dos morros próximos às dunas do Siriú e da Praia da Gamboa. Em Garopaba, os nativos dirigiam-se aos seus lares, na busca do repouso reparatório para enfrentar as jornadas que por certo os esperavam.
Ali, junto aos ranchos onde pescadores guardavam seus barcos e redes, naquela tarde, o mar se fazia ouvir com mais intensidade e parecia pressagiar um acontecimento invulgar. Gaivotas e urubus agregaram-se, inquietos, num bater constante de asas, emitindo seus ruídos característicos, indicando um estado de anormalidade em seu comportamento. A razão de tanta agitação era a realização de uma assembléia cuja pauta consistia no protesto e na exigência de respeito ao direito conquistado durante anos de convivência pacífica entre as aves e os pescadores. A tônica da reunião era a manutenção de uma igual distribuição da safra obtida pelos nativos, o que não estava ocorrendo. Elas estavam recebendo uma quota mínima de alimento, que consistia em rabos e espinhas de peixes.
Um albatroz foi eleito, pela maioria, representante dos manifestantes, não contando com grande parte dos votos dos urubus, que aspiravam à liderança e consideraram-se discriminados. Apesar disso, o albatroz, com altivez e determinação, levou a pretensão das aves ao líder dos pescadores. O pedido foi negado. Ocorria insuficiência de peixes, argumentou o pescador, e até os melhores profissionais da região tiveram que buscar outras alternativas de trabalho para sobreviver.
Levada a resposta à Assembléia, as aves decidiram, por maioria, exercer uma forma de pressão para fazer triunfar sua causa. Criaram o MSP (Movimento dos Sem Peixes) e organizaram-se para uma atitude mais agressiva. Sabiam da existência de aves migratórias da mesma espécie, originárias da América Latina, preparadas para movimentos semelhantes. Buscaram orientação e treinamento junto a elas. Dias após, gaivotas e urubus, liderados pelo albatroz, passaram a infernizar a vida dos veranistas de Garopaba, impedindo o acesso ao banho de mar, bem como o trânsito nas areias da praia, com voos rasantes, causadores de perigo e temores aos banhistas, tornando impossível o ingresso nas águas límpidas e tépidas daquela cidade.
As aves multiplicaram-se em número, o que causou apreensão nas autoridades locais, tendo em vista o prejuízo que os bares, restaurantes e pousadas sofriam com o nefasto e inexplicável evento.
As primeiras medidas a serem tomadas visavam a uma atitude radical contra os agressores, cogitando até de sua eliminação, no que foram impedidos pelos órgãos de proteção à fauna e flora. Alguns turistas passaram a frequentar praias próximas, como a Ferrugem, não tendo sido bem recebidos pelos surfistas. O mesmo ocorreu nas praias do Silveira e do Ouvidor. A praia do Rosa foi a solução para alguns. Outros insistiram na permanência em Garopaba, exigindo providências por parte do setor público, que declarou não ter condições para resolver o problema.
Como agravante, o sol não conseguia atravessar o manto negro e branco que cobria aquele recanto do litoral, convertendo-o em paisagem lúgubre e desinteressante. Vários estabelecimentos fecharam suas portas, reuniões de protesto eram constantes, mas seus participantes não chegavam a um consenso para solução do impasse. A esperança de que o número de peixes crescesse com a chegada do vento sul, não aconteceu. O fenômeno “La Niña” era citado pelos especialistas como causa de alterações meteorológicas que concorriam para as alterações climáticas e, como conseqüência, na produção pesqueira.
Entre as sugestões apresentadas, chegou-se à utópica idéia de tentar antecipar a vinda de botos e migração das Baleias Francas, visando a aumentar os cardumes, traduzindo-se em opiniões desesperadas, pois o período daqueles cetáceos ocorria entre julho e outubro, distante, portanto, da época em que vivenciavam o problema.
A situação tornou-se crítica quando banhistas afoitos entraram no mar, retornando aos gritos, com ferimentos causados pelos bicos e garras dos membros do MSP. A tensão aumentava de forma assustadora, até que, na reunião do Conselho composto por autoridades locais, moradores, pescadores e representantes de órgãos ambientais, um veranista gaúcho, apresentou uma proposta aos participantes da reunião. Empresário que era, proprietário de um Pesque-Pague no Rio Grande do Sul, sugeriu a instalação de um grande criadouro de peixes na lagoa do Macacu, próxima às Dunas do Siriú. O viveiro teria destinação específica. Sua produção alimentaria as aves rebeldes.
Aprovada a idéia, foi feito o projeto e levado à consideração das aves. O empreendimento entrou em funcionamento com êxito, recebendo o nome de Fundação GAIRUBU, em homenagem às aves de Garopaba. Uma semana após, serenados os ânimos, pescadores reuniram-se defronte à Prefeitura portando cartazes e faixas, exigindo igual tratamento. Pleiteavam a conversão da Lagoa de Garopaba em grande viveiro de peixes, o que tornaria permanente e cômoda sua atividade pesqueira.
Com a mudança de estação e a proximidade do período de pesca da tainha, o assunto ficou em banho-maria.
Terminava a temporada de verão. Turistas regressavam às cidades de origem e os moradores às atividades rotineiras. Voltou a paz em Garopaba. Tristeza, apenas, era pela falta daqueles seres que integravam a beleza da paisagem cotidiana da praia, ausentes no espaço fronteiro aos galpões dos pescadores e da igreja do Centro Histórico da cidade: as gaivotas e os urubus agora habitavam a Lagoa do Macacu.
Mas sempre existe um “mas”. O parágrafo anterior carrega em seu conteúdo as cores da ficção que caracterizaram grande parte dessa “estória”. Em verdade, persiste a alegria dos garopabenses e frequentadores daquele local privilegiado por sua bucólica e contagiante beleza. As Gaivotas, Albatrozes e Urubus continuam ornamentando aquela praia com seus voos coreográficos, enriquecendo a inspiração de poetas e de escritores.

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